quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

“Turistas” e seu contexto histórico



Em 1942 surgiu um personagem simbólico no universo da Disney. Zé Carioca, o estereótipo de um brasileiro malandro e amistoso, apresentado no filme “Alô, Amigos”, era o primeiro ícone da política de boa vizinhança que começava a ser empreendida pelo governo norte-americano, ávido por angariar a simpatia das nações da América Latina em meio a 2ª Guerra Mundial. Pouco depois, Carmem Miranda, uma baiana estilizada, com brilhos, balangandãs e um sorriso permanente, cristalizava a imagem de um Brasil festivo. Tamanho era importante a amizade entre as nações que Carmem – portuguesa de nascimento – se firmou estrela de Hollywood, tornando-se o principal símbolo da cultura brasileira nos Estados Unidos.

Sessenta e quatro anos depois, Hollywood mostra que continua com uma imagem estereotipada sobre nós. Só que agora o filme “Turistas” - primeira longa metragem norte-americano filmado inteiramente no Brasil, que estreou em dezembro nos EUA e que chega aqui em fevereiro – acentua os estereótipos, chegando a retratar um Brasil completamente distorcido. Esta mudança é resultado do atual contexto histórico. Entronizados na condição de única superpotência mundial e certos de que a globalização difundiu o “american way of life” como padrão de vida para populações do Ocidente e Oriente, os Estados Unidos mostram que, agora, pouco importa agradar àqueles que vivem abaixo da linha do Equador.

Em “Turistas”, um grupo de jovens norte-americanos curte férias na costa do Brasil. No início do filme, naturalmente, predominam as praias ensolaradas. Tudo é festa. Só falta vir até o grupo, oferecer caipirinha, uma mulata sambando, com biquíni de lantejoula, sapatos de salto alto e plumas na cabeça.

Só que no Brasil de “Turistas” os centros urbanos estão ao lado de densas florestas. Quando o ônibus em que os jovens viajam sofre um acidente, eles se perdem na mata e o que então era festa começa a se tornar uma luta pela sobrevivência. O grupo é acolhido por moradores de uma prainha, personagens muito diferentes daquele Zé Carioca, anfitrião que, em “Alô, Amigos”, apresentou as belezas do Rio de Janeiro ao colega norte-americano Pato Donald. A trilha sonora do passeio era “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso. Em “Turistas”, tudo o que os brasileiros querem é exterminar o grupo de jovens, para extrair seus órgãos e repassá-los ao mercado negro de transplantes. Antes, éramos retratados num misto de desenho animado e musical. Hoje, em um filme do gênero terror.

Naquela ainda recente década de 40, Walt Disney foi designado pelo governo dos Estados Unidos para integrar uma lista de pessoas influentes que visitaria os países sul-americanos, para promover um estreitamento das relações políticas. No Rio de Janeiro, Disney conheceu as paisagens e costumes que o inspiraram na criação de “Alô Amigos”. Muita coisa mudou nesse período. Por isso, é improvável que “Turistas” tenha sofrido qualquer influência política em seu enredo.

De lá pra cá, o governo norte-americano aliou a sua política de dominação cultural à promoção de governos ditatoriais em países da América Latina. Ainda comemorou o fim da União Soviética, cartada que pôs os Estados Unidos na condição de centro econômico do Mundo. Enquanto isso, o Brasil apenas consolidou sua imagem de “República das bananas”. Realmente, parecemos muito pouco aos olhos do prepotente George W. Bush. Ele não liga pra gente.


Publicado em: www.overmundo.com.br
Dezembro/2006

Nenhum comentário:

Postar um comentário