quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Mais a forma que o conteúdo - artigo



O ofício de modelo é, no mínimo, esquisito. A qualidade destas profissionais se mede por números decimais: peso, altura, busto, cintura e quadril. Seu “prazo de validade” é determinado e, aliás, extremamente curto. Vivem num mundo efêmero de glamour, sendo aplaudidas como artistas ou celebridades, quando não produzem nada que dê sustentação a estes títulos. Artistas são aqueles que fazem arte; célebres, segundo o dicionário Houaiss, são pessoas “notáveis, distintas pelo saber, mérito e demais qualidades”.

Não menosprezo a profissão de modelo, pois acho válida qualquer forma legal de se ganhar a vida. Decidi abrir o artigo com estas considerações por enxergar sua supervalorização como o sinal mais aparente de uma inversão de valores sociais, patrocinada pela mídia. A cada dia, se valoriza muito mais a forma que o conteúdo.

O Brasil só perde para os Estados Unidos em quantidade de academias de ginástica por grupo de habitantes e também em número de cirurgias plásticas realizadas anualmente. Já são 500 mil plásticas, uma conta que cresce em progressão geométrica, segundo diz a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Em breve poderemos estar no topo.

Enquanto isso, o consumo de livros declina no país. Em 2004, a vendagem de livros não-didáticos caiu para 1 milhão de exemplares a menos que o registrado uma década antes, em 1991, de acordo com a Câmara Brasileira do Livro. Ou seja, nosso poder de compras cresce, porém investimos mais no bisturi - leia-se em estética - e menos em conhecimento.

Pesquisa feita em 30 países aponta que, no quesito horas de leitura, o Brasil ficou para trás, ocupando a 27ª posição do ranking. Inversamente, somos a 8ª população que mais dedica seu tempo a assistir TV. Todos os dados se encaixam direitinho. População pouco culta é população mais influenciada pela mídia.

A cada dia, com maior ênfase, se valoriza mais a juventude e a beleza, incluindo ai um belo corpo “sarado”. Estar acima do peso ou envelhecer aparentando a idade que se tem é praticamente um delito para a geração atual. Todos queremos ser como os modelos ou os astros das novelas e filmes: jovens, belos, esbeltos, de tônus firme e com traços faciais finos.Se a natureza não ajuda, vale entrar na academia ou mesmo se submeter ao bisturi, procedimento cirúrgico que caiu na prática das banalidades. Realmente, tudo se encaixa.

Aquelas figuras retratadas nas revistas vão se tornando o “modelo” de uma beleza que almejamos para nós mesmos, embora sua aparência destoe da grande massa e elas apareçam maquiadas, sob a luz mais adequada, o ângulo mais perfeito e altamente retocadas por programas de computadores.

Assim, não há quem não queira perder ao menos dois quilos, fazer uma lipoaspiração, mexer nos seios, afilar um pouquinho o nariz... Todo mundo está insatisfeito com seu corpo, nem que seja um pouco. Raciocine: quantas pessoas do seu círculo de amizades faz regime ou, pior, controla o peso à base de medicamentos. Ou a natureza está completamente errada ou nossos padrões estéticos é que estão entrando em choque com o mundo real. Qual destas duas possibilidades você acha a mais correta?

Publicado em: www.jornaldotocantins.com.br
Dezembro/2006

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