quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Bandeiras para explorar um novo mundo



Homem. Definitivamente, um ser espacial.
Seu mundo é um micro-mundo...
O mundo da sua casa, do seu bairro, do seu ambiente de trabalho.
Seu universo é a sua cidade.
Pequena ou grande, é lá que estão suas referências, geralmente de igual tamanho.
É de lá que ele extrai costumes. É lá onde ele forma-se!
E é também lá que ele perpetua seus ideais, entre homem iguais e entre seus descendentes.
Mas o homem poderia ser mais.
Sua cabeça é um universo infinitamente maior, sem espaços limitados ou fronteiras.
Lá, cabem todos os bites, pixels, polifonias e tons de cores. Cabem universos de sentidos e sensações.
Seja um desbravador.
Avance com sua Bandeira e ocupe este território inexplorado.
Janeiro de 2009

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O brilho feminino da MPB em 2007 - resgate de texto



Os desavisados de plantão sempre teimam com um velho discurso, de que não há renovação na música brasileira ou, pior, que os medalhões da canção foram superados pelos corpos desnudos que vêm e vão, no remelexo do calipso e da axé músic. Desligando-se dos programas de auditório da TV e ajustando um pouco suas próprias antenas, você verá que a MPB continua emitindo seus sinais de criatividade, seja com os nomes consagrados, seja com a geração que está despontando.

E, no país das cantoras, são elas que melhor sintonizam o que anda acontecendo na música brasileira. Cada uma com seu estilo e seu timbre, as mulheres fizeram de 2007 um ano de bons projetos fonográficos.

Veterana, com 41 anos de carreira, Maria Bethânia continua com o mesmo brilho, mas agora com a liberdade de trabalhar numa gravadora menor, a Biscoito Fino, que abre mais espaço à criatividade. Ela investiu num projeto conceitual e lançou dois discos simultâneos, quase integralmente de canções inéditas. Com Mar de Sophia, Bethânia deu um mergulho profundo na temática das águas do mar e na densidade dos versos da poeta portuguesa Sophia de Melo Brayner. Com Pirata, se fez soar leve e artesanal, utilizando a água doce como viés criativo. Festejada, a fase se encerrou como uma triologia, em novembro, com o lançamento do disco Dentro do mar tem rio, ao vivo.

Elba Ramalho, com 28 anos de carreira, se mostrou mais arejada que nunca. Apostou na nova geração de compositores e realizou um dos melhores discos de sua carreira, Qual assunto mais lhe interessa, sintonizado nas composições de Lenine, Lula Queiroga, Chico César, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes.

Mas foram as novatas que deram o tom de reinvenção da MPB. Ha tempos não surgia alguém como Roberta Sá, que combina uma invejável leveza como intérprete, inclinação para a pesquisa e abertura com a nova geração de compositores e músicos. Participante do reality show global Fama, ela conquistou notoriedade mesmo foi com seu segundo CD, Que belo estranho dia pra se ter alegria, talvez o melhor álbum de 2007. Sambista nata, Roberta é o ícone da renovação deste ritmo, abraçado inicialmente pelos jovens cariocas freqüentadores dos bares da Lapa e popularizado Brasil afora pelos mais descolados. Se você ainda não conhece Roberta Sá, procure por ela.

Também da seara da Lapa emergiu Teresa Cristina, se comparada a Roberta Sá bem mais contida, a lá nova dama do samba. Ela foi reverenciada pela crítica em anos anteriores e, em 2007, conseguiu espaço numa grande gravadora (EMI Music), onde lançou Delicada.

Com a carreira em risco, por soar repetitiva e engessada já no segundo álbum, Maria Rita soube se reinventar em 2007. Ela também apostou no samba. Ficou mais espontânea, perdeu os ares de diva precoce e – o que foi vital – dissociou sua imagem da mãe, o ícone Elis Regina. Com o disco Samba Meu, Maria Rita se mostrou despretensiosa, unindo ótimos sambas (como O Homem Falou, de Gonzaguinha) a outros menos inspirados, mais próximos da seara do pagode. Para quem precisava descer do salto e revitalizar-se, longe da formação baixo-bateria-piano-violoncelo, a mistura soou positiva.

Abrigada na música pop, Vanessa da Mata – que foi ofuscada em sua estréia em disco por surgir junto a Maria Rita, em 2003 – também chegou ao terceiro álbum, a prova de fogo mercadológica de todo cantor. Em Sim, Vanessa provou que é possível ser popular fazendo boa música. Juntou reggaes, baladas, disco, carimbó e pop, soando muito bem e se confirmando como uma compositora eficiente.

Fecho com Fernanda Takai, vocalista do Pato Fu, que lançou seu primeiro disco solo no final de 2007, Onde brilhem os seus olhos, visitando a obra de Nara Leão. Com tom de voz semelhante ao da homenageada, não pareceu repetitiva. Redecorou as canções com arranjos mais joviais ou transformando completamente seus ritmos, conseguindo a proeza de não violentar a concepção original das músicas. Isto, só pra citar algumas cantoras da MPB industrial, de maior visibilidade. Pesquise, faça sua lista e descubra o muito que a música brasileira tem a oferecer.

Dezembro de 2007
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www.overmundo.com.br e www.ogirassol.com.br

Espelho



Em algum lugar, existe um espelho de mim. Por um dos grandes mistérios do mundo, ele não reflete minha imagem de hoje, mas a de um passado que já me parece secular - como que um retrato de Dorian Gray invertido.

Naquela imagem, enxergo além das tranças negras, além do bigode ralo e da pele morena que nunca me pertenceram. Ali, eu enxergo os sonhos, as curiosidades, questionamentos e descobertas que um dia vivi – ou que tive ânimo para achar que viveria.

No reflexo, tudo é novo, tudo são plenos horizontes. Tudo é vibrante. Esse era eu. Não as tranças, não o bigode ralo ou a pele morena. Eu, em essência, era este complexo de sentimentos.

Hoje, um pouco cansado, um pouco sem esperanças e vendo o horizonte cada vez mais estreito, me deparo diante daquele sorriso esboçado no espelho. Vejo isso e fico feliz.

Para Rafael Mussolini

Novembro de 2008
Publicado em:
www.overmundo.com.br

A feminina voz da arte



No princípio elas já eram adoradas. As “Rainhas do Rádio”, entre as décadas de 30 e 40, despertavam fervor. Linda Batista, Dircinha Batista, Marlene, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba e Ângela Maria, entre outras, se sucederam no posto de cantoras mais populares do país em meio a disputas acirradas de seus grupos de fãs. Ainda assim, quem conseguia arrastar o grande público eram os homens. Na chamada “Época de Ouro” da música popular brasileira, nomes como o de Francisco Alves, o "Rei da Voz"; e Orlando Silva, o "Cantor das Multidões" eram imbatíveis frente às intérpretes.

Desde estes primórdios criou-se o estigma de que mulher não vendia discos. Décadas se passaram assim, até a chegada de uma cantora exuberante, de vestidos brancos rodados, adornos africanos e cabelo revolto. A época: meados da década de 70. A personagem: Clara Nunes. O feito: bater recordes de vendagens, chegando a quinhentas mil cópias do álbum “Alvorecer” (1974) e abrindo espaço para outras sambistas, como Beth Carvalho e Alcione. Pouco depois uma baiana de interpretação teatral atingiria 1 milhão de cópias, do disco Álibi (1978), chegando a rivalizar o posto de número 1 da música brasileira com o “rei” Roberto Carlos.

O estigma estava quebrado. O Brasil se firmava como o país das cantoras. Cada uma com timbre único, cantando as belezas e as mazelas de seu país, mas, sobretudo, os prazeres e as dores de amar - de modo que nenhum homem poderia cantar igual. Gal, Simone, Maysa, Nana, Elba, Zizi, Elza, Joanna emprestavam voz, corpo e emoção às canções. Aos homens, coube adotar o papel de compositor-cantor; raras as vezes o de puro intérprete.

Através de seu canto, as mulheres personificaram a evolução comportamental, política e musical do país. Em especial, a recém adquirida liberdade de ser mulher.

Foram muito bem vindas Araci Cortes, que encarou de frente os preconceitos tornando-se a primeira estrela feminina da MPB; Nara Leão, musa de movimentos tão opostos quanto a Bossa Nova e o Tropicalismo; Rita Lee, personificação da irreverência do roqueira; Cássia Eller, que esfacelou os últimos tabus de sexo e comportamento no palco e na vida. Elis foi a voz da anistia aos exilados; Fafá foi o canto das “Diretas Já”.

Mulher 90
Aos poucos, a nova geração de cantoras foi cortando as raízes com o passado. Em relação aos temas, elas passaram a se mostram menos dispostas a rasgar o coração, como faziam as divas consagradas da MPB. Em vez de requisitar compositores masculinos, preferiram dar voz a composições próprias. Surgiu um novo som, mais contemporâneo e pop. Adriana Calcanhotto, Zélia Duncam, Ana Carolina e Vanessa da Mata são exemplos desta safra, que marca o final do século 20 e o início dos anos 2000. Marina Lima e Marisa Monte podem ser considerados os primeiros ícones desta geração.

Pós-pirataria
Com o crescimento da pirataria de CDs e DVDs, surge um novo ciclo na MPB. As vendas de discos declinam e o mercado fonográfico se enfraquece. Passa a valer mais cativar um púbico para shows e buscar a construção de uma carreira sólida que, propriamente, repetir fórmulas que garantam altas vendagens. O que fez surgir uma nova tendência, dando um novo tom à voz feminina.

Sem que o mercado determine quem será a “revelação do momento”, está surgindo uma enxurrada de novas cantoras. São donas de vozes bem afinadas, que, em geral, se destacam em barzinhos descolados e transferem o bom repertório de palco para o formado em CD.

São também jovens de bela estampa. Compositoras ou não, todas são bem dispostas a garimpar canções esquecidas, ao mesmo tempo em que se mostram antenadas com a nova safra de compositores. Em seus discos, convivem em harmonia canções de Dorival Caymmi, Paulo César Pinheiro, Lenine, Marcelo Camelo e Rodrigo Maranhão. Ao contrário da geração “Ana Carolina”, elas deram uma pausa no pop, primando mais por um resgate à tradição da música brasileira. A maioria adotou o ritmo nacional mais emblemático: o samba.

São tantas as novas cantoras que mal consegue-se acompanhar a velocidade em que são reveladas, ao público especializado ou às massas. Os primeiros nomes despontaram para além do circuito alternativo em 2007. É o caso de Roberta Sá, Mariana Aydar, Teresa Cristina e Mart’nália na seara do samba e de Céu e Ana Canãs, de influência pop. E não vou me alongar na lista para ficar apenas entre as que tiveram maior destaque.

Todas muito boas, sem dúvida. As que levantam a bandeira do samba fazem isso com muita propriedade, mas talvez com muita reverência ao passado. Com isso, se blindam de experimentar musicalmente. Assim, quem permanece livre, leve e solta, cantando samba e soltando seu vozeirão jazzístico é Elza Soares. Aos 70 anos, ela mostra que sabe inovar e dá um banho em qualquer novata. Fica a lição pras moças, que são tão aplicadas em seu ofício.

Publicado em:
www.ogirassol.com.br

As armas de um João



Num sertão de muitos joãos, havia mais um. Mais um João torturado pela pobreza, pela rispidez daquela terra e daquela gente. Uma gente bruta, que não tem quase nada e que o pouco que tem não valoriza. Nem a vida.

Por um motivo torpe, mataram um dos dois irmãos do João. Segundo a ordem sertaneja, ele tinha que honrar sua família com o sangue do novo inimigo, levando a mesma dor que sentia aos entes do algoz de seu irmão. Num ciclo de vinganças, uma rixa se firmava. Dali nasciam emboscadas, seqüências de fugas pelo mato e o temor de ser ou de fazer de um dos seus a próxima vítima daquela sina, que vez por outra tingia de vermelho a terra seca.

João não tinha muitos familiares. A bem da verdade, restava a ele resguardar com maior tino apenas sua própria vida e a do outro irmão que lhe restara. Logo ele, um homem pacato, um jovem simples do mato, teve que se afeiçoar às armas, fazendo-se delas eternas companheiras. Não restava a João outro destino, senão o de também ser um bruto.

Um dia, João encontrou uma bela e jovem Maria. Casou, teve filhos, batalhou, livrou-se da miséria, mas seu coração nunca se amansou. A constante ameaça de ser caça e de ter que se fazer caçador o perseguia, em meio ao casarão que construiu e à coleção de armas que pôde comprar.

O sangue inimigo derramado nunca aliviou a dor de perder tão injustamente o irmão, que era um homem popular na pequena cidade pela postura altiva e por sua bondade sem tamanho.
A família que João formara parecia não suprir tamanha perda. O negror do passado o fazia ignorar o conforto de agora. A necessidade de atormentar-se fazia com que João repelisse sua bela e amada Maria, a quem, por muitas vezes, tratava com a mesma rispidez dispensada aos seus inimigos. E ela se afastou para jamais voltar.

Passados os anos, já velho e sozinho, João se manteve atormentado. Quando não estava bebendo suas agonias, o tempo todo resmungava algo para si mesmo, acomodado em sua inseparável cadeira de balanço. Talvez remoesse baixinho sobre suas lembranças amargas, talvez repetisse algo sobre a necessidade de manter-se em guarda, ante uma rixa que esmaecia mas que, ainda, não tinha ainda definhado por completo.

João passou seus últimos anos fechado em si mesmo. Muito longe de sua Maria, longe até de seu outro irmão. Em sua cadeira de balanço, à calçada, viu a paisagem do sertão mudar, na esteira dos primeiros ares do progresso. Aos poucos, os joãos daquela cidade foram ganhando novas perspectivas, deixando de ser brutos e aprendendo a valorizar a vida.

Publicado em www.jornaldotocantins.com.br

Sua espera



Um espaço em branco. Um vazio. Um vácuo.
Como uma tela aguardando o carinho dos fios do pincel.
Para, nesse afago, ganhar cores e brilho.
Nesse afago, preencher-se, completar-se...
Nesse afago, tomar formas, feições e encontrar a própria identidade.
Sou eu, assim, a sua espera.

Janeiro de 2009
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www.overmundo.com.br

Desconstrução do mundo



Pensando bem, o mundo é belo.

Poderia ser mais, de uma beleza sem domínios, que corresse campos, escalasse montanhas e cruzasse rios, até chegar extasiada onde quebram as ondas do mar.

Num último fôlego, esparramando-se onde o horizonte não alcança, adentraria pelas águas e repousaria sobre corais... num caminho livre, a plenos pulmões, coroado por uma chegada entorpecida.O mundo é belo sim. E poderia ser mais.

Pena haver tanto concreto, asfalto e paredes, interrompendo a passagem de sua formosura. Não sei quem lançou a idéia que desconstruindo o mundo ele se tornaria um lugar melhor.

Dezembro de 2008
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www.overmundo.com.br

O Legislativo sob sombras




De todas as instituições que sustentam a sociedade brasileira e seus indivíduos, sobre uma paira o descrédito quase que completo: a classe política. Nem precisa de pesquisa pra comprovar isso. Mas, aos que adoram números e estatísticas, ai vai: os políticos estão na lanterna das entidades consideradas confiáveis, sendo aprovados por somente 7% das pessoas, segundo pesquisa recente publicada pela Folha de São Paulo.

Em seu íntimo, 93 entre cada 100 cidadãos brasileiros desejam dar aquela tomatada num político. Melhor ainda se for num membro do Legislativo, poder que é visto por muitos como inerte. Não apenas por suas próprias limitações, afinal os legisladores se vêem sob a amarra de não poderem criar leis instituindo programas ou ações que onerem os cofres do Executivo - ou seja, no Brasil, em situação inversa aos países de democracia mais sólida, não é o Legislativo quem elabora a maioria das leis, e sim o próprio Executivo, adotando mecanismos diretos ou indiretos, incluindo as tão corriqueiras medidas provisórias.

Diante dessa limitação (de não criar leis que mexam com o orçamento), a maioria dos parlamentares se restringe a produzir projetos de lei socialmente inúteis, que condecoram personalidades com títulos de cidadania ou que dão nome a obras públicas. Na melhor das hipóteses, senadores e deputados se comportam como simples vereadores, buscando recursos do orçamento da União e dos estados para pequenas obras nos municípios que formam suas bases eleitorais – restringindo sua atuação aos períodos de apresentação das emendas. Assim, ao invés de discutir as grandes questões da nação ou de seus estados, parte significativa dos parlamentares se limita a propor a construção de praças, ciclovias ou obras similares, que agradem aos prefeitos aliados e assegurem seu apoio eleitoral.

Mas, logicamente, o poder Legislativo poderia fazer muito mais. Fiscalizar a aplicação do orçamento é seu papel essencial, que não é exercido porque um percentual significativo dos legisladores prefere ficar à sombra do Executivo, à cata de cargos públicos e outros benefícios pessoais. A cada projeto de lei polêmico que o Executivo elabora e envia para votação, haja negociatas com deputados e senadores – e também vereadores, no caso dos municípios.

Em sua atuação mais oficiosa o parlamentar, quando faz parte da bancada de oposição, critica os atos políticos do Executivo, mas muitas vezes às cegas, sem grande interesse ou embasamento, só para cumprir uma posição institucional. Assim, movem os colegas da base aliada a contra-argumentar, partindo para a defesa do Executivo. Os holofotes brilham para todos, e todos eles ficam felizes. Mas não o cidadão.

Esse mesmo cidadão, que mantêm com seus impostos os poderes públicos, não tem a quem recorrer nem a quem direcionar sua indignação. Afinal, o Legislativo é um poder coletivo, em nível federal formado por 513 deputados e 81 senadores. Não há a quem atribuir diretamente os maus atos, a não ser a um plenário ou a um símbolo – o prédio do Congresso, por exemplo. Ou seja, protestar é xingar paredes.

Alvo de indignação que generaliza o Poder, cada legislador se veste sob o falso manto da moralidade. Nunca ele é o culpado, só o vizinho de bancada ou a parcela podre de um parlamento onde ele jamais esteve inserido. Corporativo, não julga publicamente seu colega para um dia também não ser julgado.

Assim sendo, que nos protejam os suplicys e gabeiras.

Novembro de 2007
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Madonna: ícone em construção permanente



Datas “redondas” sempre mexem com a gente. Quando viramos cada década de vida, é natural correr pra o espelho, pra ver a profundidade das rugas no rosto e a saliência dos pneuzinhos na cintura. Também analisamos o que foi feito de nossa vida e o que ainda nos falta realizar. Huuum, haja frustração! Mas prossigamos. Este mês um ícone da cultura Pop mundial vira a folhinha e entra em sua quinta década de vida. Se a loira Madonna decidir, por vaidade feminina, ignorar a passagem de seu meio século de nascimento, ela terá outra grande data a festejar: os 25 anos em que permanece no topo do showbussines. Este sim, um feito que merece reflexões.

Madonna não é uma grande cantora, uma exímia dançarina nem mesmo uma mulher de beleza excepcional, mas não é exagero dizer que, contra tudo isto, ela conseguiu construir uma carreira tão sólida quanto alguns dos maiores ícones da música mundial, como Michael Jackson e Elvis Presley.

Acima de tudo, Madonna é um ícone, uma imagem em permanente adaptação. Sempre renovada, atendendo ao gosto do público de cada época. É por isso que ela permanece no topo. Sua imagem é seu grande espetáculo, tão grande quanto sua própria música.

No inconsciente coletivo, Madonna é lembrada mais por suas mil faces, ou um mil fases – como preferir -, e menos por suas canções. Aí, a imagem de Madonna que você guarda denuncia a sua idade.

Pode ser a imagem do início de carreira, rival de Cindy Lauper, com figurino colorido e cabelo loiríssimo e repicado. Pode ser a material girl, vestida de Marilyn Monroe. A Madonna profana, de cabelos negros, dançando diante de cruzes em chamas. Pode ser a mulher provocativa, cantando sobre uma cama, vestida em sutiã de formato de cone. A erótica e dominadora. Ou a atual, comedida, mas que preserva a sensualidade. Todas, imagens bem construídas e preservadas em videoclipes, a mídia que surgiu e se desenvolveu junto com Madonna. A mídia que fez ela crescer.

Sua própria música, Madonna também trata como “imagem”. Cada um dos seus discos é um registro de época, com arranjos adaptados à estética sonora do momento em que foi lançado. Isso, mais uma forma encontrada para manter-se sempre atual, em sintonia com o público.

Seu álbum atual, Hard Candy, é a maior prova da adaptação de Madonna aos sons de cada época. É o seu disco mais “fabricado”, o menos original. As músicas flertam diretamente com o rap e o eletrônico pasteurizados. Levando a assinatura de Timbaland, o produtor musical do momento, Hard Candy não tem a identidade de Madonna. Bem que poderia ser um disco de Nelly Furtado, Beyoncé ou qualquer outra cantora pós-adolescente do momento.

O fato é que Madonna conduz a carreira como quem toca uma empresa e usa todos os recursos para manter-se em evidência. E , o mais impressionante, alcança sua meta sem comprometer a qualidade do trabalho ou soar como um simples produto de mídia – claro, desconsiderando equívocos como Hard Candy.


Publicado em: www.jornaldotocantins.com.br

A classe média, a mídia e seus umbigos




A classe média brasileira só olha para o próprio umbigo. Fechada em suas salas de jantar, ou mesmo durante seus passeios ao shopping, está sempre ligada na fatura do cartão de crédito, na taxa de juros do CDC, no aumento do plano de saúde... Em seus momentos de maior drama, volta-se aos inconvenientes do dia-a-dia em sociedade, inconvenientes que afligem sua família ou que apenas pairam sobre suas cabeças, como uma ameaça permanente.

Nesse caso, haja reclamação quanto à violência urbana, trânsito, inflação e por aí segue. Dramas que estão longe do campo das ideologias ou do existencialismo. Afinal, na selva cotidiana, somos obrigados a nos voltar para as preocupações mais primitivas: a busca do alimento (leia-se "grana") e a nossa própria sobrevivência. Natural que seja assim.

O curioso é que a mídia toma para si as dores dessa classe média, focando-se nos problemas de uma única parcela da sociedade. Com isso, esquece que existem outros dramas, até maiores, que por esta própria dimensão tornaram-se banais. De tão freqüentes, de tão presentes, não são mais notícia. De modo contraditório, são problemas que, por serem grandes, tornaram-se invisíveis.

Outra leitura
Aí, me refiro aos problemas que afligem os pobres e miseráveis. Tráfico, pequenas chacinas, truculência policial, fome. Problemas que só ganham visibilidade quando descem o morro e, justamente, se chocam com a classe média, afetando diretamente algumas famílias e pairando sobre a cabeça de outras.

Quanto à pauta da mídia, podemos perceber que, exceto pelos escândalos de corrupção, ela está sempre voltada para a classe média. É o aniversário de 10 anos de queda do edifício Palace II, o assassinato de jovens da classe média por policiais despreparados, a morte de Isabella Nardoni, o caos aéreo e, novamente, segue a lista.

Sob o olhar da classe média, podemos ter outra leitura destes fatos: a insegurança para investir em um bom apartamento, mesmo que ele esteja na Barra da Tijuca (Palace II); a ameaça que ronda os nossos ambientes, vestida em farda do Estado (violência policial); a desestruturação da família, que é o pilar de apoio a todo cidadão (caso Isabella); e a insegurança que compromete o nosso direito de ir e vir (caos aéreo).

Não há espaço para reações
São dramas que não causariam a mesma comoção caso o caos tomasse conta de rodoviárias país afora; caso Isabella fosse negra e pobre; caso mostrassem policiais subindo o morro, torturando e matando; ou se divulgassem cenas dos barracos que são soterrados por encostas e que desabam em dias de chuva. Nestes casos, as classes A e B, público-alvo dos maiores anunciantes da TV, não se identificariam.

Ao chocar-se com os fatos que pautam a mídia, o brasileiro médio não apenas lamenta pelos personagens do drama em questão. Ele se vê na possibilidade de um dia também ser vítima. Em seu medo, sente-se indignado contra as autoridades, que não tomam qualquer providência para evitar que estas tragédias do cotidiano se alastrem até ele e sua família. Mas engole sua indignação, assistindo passivamente à notícia na TV. Afinal, em nossa selva cotidiana, não há espaço para grandes reações, mas apenas para batalhar pelo pão e rezar pela própria vida.

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A morte de Isabella Nardoni: um grande espetáculo




Terminada mais uma edição do Big Brother Brasil, entra no ar uma outra novela da vida real. Só que, desta vez, ao invés das trivialidades do dia-a-dia de um grupo de jovens, a trama do espetáculo é a morte trágica de uma menina de 5 anos de idade: Isabella Nardoni.

Para o público não faz muita diferença. O que vale é poder saborear a emoção de cada desdobramento da estorinha, para poder comentar os últimos detalhes com amigos e colegas de trabalho, em rodas de conversa. E, como em épocas de Copa do Mundo todo brasileiro é técnico de futebol, agora todo mundo é investigador policial. Cada pessoa tem sua própria versão para responder a pergunta do momento: “quem matou Isabella?”. Desde o assassinato de Tais, na novela Paraíso Tropical, o brasileiro não exercitava tanto sua lógica investigativa.

Para aplacar tamanha avidez por novidades, haja exposição do tema na mídia. Todos os dias, a estorinha da morte da criança é contada e recontada, na TV, no rádio, na internet e nos jornais impressos, do mesmo modo como é tratado o resultado do “paredão”, uma partida de futebol decisiva, um capítulo final de novela ou mesmo um detalhe picante da vida de uma “celebridade” televisiva.

O que pouca gente consegue entender é que há uma inversão neste caminho. Não foi entre o público que surgiu o interesse pela morte de Isabella, demandando uma produção contínua de notícias sobre o caso. Foi, sim, a própria mídia quem construiu esse interesse, levando o público a uma comoção. Quem preferir pode chamar esta prática de manipulação, mas, no jornalismo, ela tem o nome de “agendamento”.

A mídia precisa, permanentemente, de um tema palpitante para noticiar. Pode ser um escândalo político, um desastre, um grande evento ou... um crime. Depois do desastre aéreo da Tam e da seqüência de escândalos políticos do mensalão, do caso Renan e dos cartões corporativos, tentou-se emplacar o escândalo do dossiê, com a ministra Dilma Rousseff como personagem principal e o PT como coadjuvante. Mas o tema era de pouco apelo popular e a tragédia envolvendo Isabella veio “no momento certo”, para ocupar o espaço principal dos noticiários. A menina superou a ministra; o crime familiar superou os erros do corporativismo político no Governo Federal.

Nestes episódios de grande exposição, a mídia explora cada tema até a exaustão. Depois disso, os descarta. Afinal, quem, hoje, se importa com personagens como Marcos Valério, Delúbio Soares ou mesmo com João Hélio, aquele menino que foi arrastado por diversas ruas no Rio de Janeiro, preso ao cinto de segurança de um veículo, em uma morte que causou comoção semelhante a de Isabella.

João Hélio tinha 6 anos quando foi morto, em fevereiro de 2007. Junto à comoção por seu assassinato, vieram os apelos para que a legislação penal brasileira fosse revista, se tornando mais rigorosa com os criminosos adolescentes. Na época, o Congresso Nacional ensaiou alguma movimentação neste sentido. Mas, como em todo agendamento jornalístico, o caso se esgotou em termos de mídia antes de ser concluído nos tribunais de justiça. Hoje, não se discute qual o destino dos assassinos de João Hélio muito menos se clama por uma revisão em nosso código penal.

Conclusão: a espetacularização da notícia não colabora em nada com a sociedade, a não ser no agravamento de uma sensação de insegurança, de impunidade e de corrupção generalizada.

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Tropa de Elite: um choque de ousadia



Enfim, a ousadia voltou a uma grande produção do cinema nacional, atraindo o público às salas de exibição e provando que a criatividade pode ser viável comercialmente. Em um tempo em que o cinema brasileiro, para se firmar como indústria, adotou sem pudor as fórmulas da TV - dando aos filmes o aspecto de novelas ou minisséries – Tropa de Elite quebrou padrões e se prepara para alcançar a merecida colocação de principal “arrasa quarteirões” de 2007.

O filme, do cineasta José Padilha, já desbancou o açucarado “Primo Basílio” (790 mil expectadores), do diretor de telenovelas Daniel Filho, e caminha para superar o campeão de bilheteria “A Grande Família – o filme” (2,2 milhões em público), adaptação para o cinema da série televisiva. Em Tropa de Elite, a linguagem remete mais ao documentário que à obviedade dos padrões da TV, pela crueza e realismo com que mostra as relações entre a polícia e o narcotráfico no Rio de Janeiro.

Nesse aspecto, o filme difere também do ótimo “Cidade de Deus”, que recorreu mais à uma estética inovadora, e menos ao relato cru, para mostrar como surgiu o crime organizado na favela carioca que dá nome ao filme, tornando-se a película nacional mais vista de 2002.

Em Tropa de Elite, não há os estereótipos de mocinhos ou vilões. Wagner Moura, em grande interpretação, dá vida ao personagem central, capitão Nascimento, comandante do Bope, a tropa de elite da PM a quem cabe repreender e desarmar o crime organizado. Com o peso do cargo e o orgulho de chefiar uma tropa que não sucumbe à corrupção policial, ele se sente à vontade para praticar tortura durante os interrogatórios, em busca de resultados. Também conduz com mãos de ferro o treinamento de uma nova turma para o Bope. Ancioso por se livrar do estresse que massacra sua vida pessoal, é entre os membros dessa nova turma que o capitão escolherá seu substituto para o comando da tropa.

Se capitão Nascimento tem qualidades e defeitos, todos no filme também têm. Inclusive a classe média politizada, retratada por universitários que sobem o morro para atuar em projetos sociais, mas que consomem seus baseados para relaxar, financiando o tráfico. Mesmo os traficantes não são mostrados sob o clichê de vilões, mas como uma força oposta à polícia em uma guerra não declarada.

Em pelo menos um sentido, Tropa de Elite é um marco. Foi o primeiro filme nacional que vazou pela internet e que chegou aos camelôs antes de seu lançamento oficial, alcançando grande público e se tornando o filme mais comentado do ano. Segundo o Ibope, mais de 11 milhões de pessoas o assistiram em cópia pirata. E mais de 1 milhão já foram ao cinema.

Seguindo na contramão das convenções, agora são as TVs que querem se apropriar do formato de Tropa de Elite, para transformar a história em seriado, assim como aconteceu com Cidade de Deus. Especula-se que Record, Globo, SBT e HBO estejam interessadas no projeto. É um pouco de criatividade chegando, por via única, ao cinema e à televisão. Os expectadores agradecem.

Novembro de 2007
Publicado no
www.jornaldotocantins.com.br

Cyberamor



Um Brasil nos separa, mas nos aproximam os bites que viajam pela linha telefônica e o desejo mútuo de vir a se doar, de encontrar-se no outro, como num espelho. Não navego pelo seu corpo, ainda não senti seu calor nem seu cheiro, mas tenho comigo tua voz - ao mesmo tempo mansa e firme, uma voz que faz com que sinta o quanto gosto de ti, mas que também denuncia a nossa distância.

Nesta voz, não reconheço nenhum som da caatinga ou do cerrado, sons do meu berço ou da minha morada. Mas quero que tua voz seja o som que marcará o meu futuro.

Sua pele nunca se ressecou ante a agressão deste sol, assim como o frio que tez faz agasalhar-se à noite poucas vezes me tocou. Mas quero que, em breve, nossa pele compartilhe as mesmas sensações e se umedeçam com o mistura do nosso suor.

Seus olhos certamente nunca enxergaram as mesmas paisagens que os meus. Mas eles me enchem de ternura, quando surgem ainda que distantes naquele pequeno retângulo que teima em congelar sua imagem tão rapidamente.

Muita coisa nos separa... agendas, febres, cansaços, provas, problemas, ansiedades, mas não nos distanciam os mais de 5 mil dias que diferem o nosso surgimento na Terra.

De tantos entraves, nenhum me faz desistir de você, muito menos seu silêncio nestas longas horas.

Todos os problemas me parecem pequenos, diante da possibilidade do encontro com os teus braços, da partilha de duas vidas, com tudo de bom e mau que esta convivência traz em si.

Esperei por ti estes anos... Se quiseres, saberei esperar também o momento do encontro carnal. Tens parte de minha alma, poderás ter também o meu corpo.

Cinco pessoas - crônica



É noite. Ela está em seu microcosmo de 6 metros de frente por 12 de fundo. Sente que sua própria vida também é assim: mínima em dimensão. Além de miúda, é uma vida que está em permanente estado de ameaça, por um buraco no peito que cresce a cada dia e por um estrangulamento iminente. Aquela mão imaginária que aperta sua garganta se torna mais firme. Hoje, dá espaço apenas para a passagem de um fiozinho de ar. Amanhã, certamente nem mais a isto.

Sua vida sempre seguiu um caminho reto e plano, mas não necessariamente de chão firme. É uma vida sem grandes desvios de percurso, sem estradas ensolaradas, becos escuros ou ladeiras que proporcionem descidas vertiginosas e subidas desafiantes. Poderia ser comparada a uma rua monótona, meio nublada, com poucos – e distantes – transeuntes. Grande parte deles igualmente frustrados, o que nunca lhe serviu de consolo nem desperta nela o desejo de compartilhar as angústias em comum.

Se na vida sempre foram poucas as ações contundentes, na sua mente houveram planos e ideologias avançadas. Mas isto foi já há algum tempo. Com o passar dos anos, seus ideais arrefeceram e seus planos de futuro passaram a parecer tão sem sentido quanto o próprio presente. E, sei lá, talvez já não nem hajam mais os tais planos e as tais ideologias.

A vida em seu interior, que um dia fora tão mais colorida que o universo que a cercava, hoje compartilha os mesmos tons acinzentados. Aquela sensação que teve um dia, de que tudo era início, que as portas estavam se abrindo e o horizonte era um campo a se correr enchendo os pulmões de ar, hoje se faz distante e equivocada. Era uma sensação que refletia apenas um momento, mas só agora ela sabe disto.

Entre seus semelhantes, três têm ligação mais direta com ela e parecem viver dias de maior intensidade, ou apenas se agarram a esperança de que seus dias seja assim. Uns transformavam os dias em noite, à procura da alegria furtiva do álcool, dos amigos comprados a preço de gasolina e do calor momentâneo de um e de outro abraço; outros enxergavam nas esposas, nos filhos e nos negócios a possibilidade de um conforto e uma estabilidade emocional que nunca alcançaram, e certamente nunca alcançarão.

Entre ela e estes três semelhantes existe a figura de um homem - pleno de dignidade, provedor, mas um pouco envelhecido e sem perspectivas ou esperanças, como todos eles. Não formam um grupo de pessoas más, pelo contrário. Mas cada um vivencia sua porção de amargura. Todos têm medo da solidão, consciência da finitude e da própria pequenez, e por isto têm a segurança de que, nos momentos de agonia, poderão se agarrar mutuamente, como aquele que se afoga recorre à tabua de salvação.

Estão todos distantes, unidos pela figura daquele homem mais velho, por suas angústias e por uma história em comum que se torna mais remota a cada dia.

Cada um deles tem consciência que conduz a própria vida ao vazio, embora nunca tenham conversado sobre isto. Estão juntos, no caminhar a esmo de hoje e no previsível vácuo de amanhã.

Publicado no www.jornaldotocantins.com.br

Ídolos de uma crise



Você é capaz de afirmar, sem receio de erro, qual o maior ídolo da música popular do Brasil no momento? Há alguns anos seria mais fácil responder esta pergunta. Bastaria lembrar qual artista conseguia estar presente, praticamente ao mesmo tempo, nos programas dominicais de auditório. Aquela música tocada no rádio a exaustão, que você não agüentava mais, daria mais segurança ao seu palpite. Mas, se você quisesse total certeza na resposta, bastaria ir à banca mais próxima e ver que um mesmo rosto estava estampado em metade das revistas expostas. Era o rosto insistente dos programas de auditório da TV, o rosto do dono do grande sucesso musical do momento.

Mas, neste período de entressafra de modismos, como apontar quem é a cara da música popular do país?

Nos últimas décadas, a indústria do disco fabricou um modismo após o outro, se apropriando de ritmos que faziam sucesso em alguma região e os apresentando (ou impondo) ao grande público nacional. Isto após certo capricho visual e sonoro, pasteurizando o produto ao gosto do freguês. Foi assim com o sertanejo romântico, a axé-music (e seu subproduto, a bunda-music), o forró eletrônico, o calipso e, em menor proporção, com o funk. Para cada ritmo, um grande ídolo em exposição, até que a fórmula se esgotasse e fosse prontamente substituída.

Hoje, a indústria fonográfica parece ter perdido a força e não se mostra tão disposta quanto antes a investir em novas ondas musicais – isto certamente devido a pirataria, que ganha as calçadas e que se mostra irreversível com a popularização da internet. Por isso, no mercadão da música, reinam ídolos já desgastados e cambaleantes, mas que são as apostas mais viáveis em época de crise.

Segundo pesquisa de opinião do instituto Datafolha, o maior ídolo atual do Brasil atingiu seu auge de sucesso há 2 anos. Com a Banda Calypso, do Pará, quem dá cara ao gosto musical do brasileiro é a vocalista Joelma - com seu cabelo tingido e alisado e suas roupas coladas e cheias de penduricalhos, que deixam à mostra suas pernas e sua barriga lipoaspirada.

Em segundo lugar na pesquisa está a dupla Zezé di Camargo e Luciano, que impulsionou a moda sertaneja nos primeiros anos da década passada, a partir do sucesso “É o amor” (1991), alcançando o auge comercial em 1995 (2 milhões de discos vendidos). Ano passado, mal atingiram a marca das 400 mil cópias.

Em tempos de bonança, a dupla já teria sido escanteada pela indústria do disco, preterida por nomes em maior evidência. Mas, na atual conjuntura, são artistas viáveis, por sua popularidade testada.

Por este motivo, todos os nomes seguintes da lista são remanescentes de modismos da música popular (ver relação abaixo), à exceção de Roberto Carlos, Amado Batista e da banda pop Jota Quest. São ídolos de duas linhagens básicas: do romantismo fácil e da música feita para agitar o corpo.

Massificação
Independente da região pesquisada, há poucas variações na relação de nomes apontados pelo público, o que ressalta a massificação do gosto do brasileiro médio e o achatamento da música regional.

No geral, os nomes apenas se alternam nas colocações da pesquisa. Nas regiões Sul e Sudeste, Zezé di Camargo e Luciano lideram a preferência do ouvinte, enquanto no Nordeste, Norte e Centro-Oeste, a Banda Calypso é mais popular.

Em seu blog, o crítico musical Mauro Ferreira (http://blogdomauroferreira.blogspot.com/) lamenta que o resultado da pesquisa não reflita a pluralidade de um Brasil que, por suas dimensões continentais, são vários Brasis. Cita que são excluídos artistas mais apurados como Chico Buarque, um cantor que, mesmo sem aparecer em programas de televisão, comprova sua popularidade ao provocar filas nas bilheterias das casas que anunciam seus shows. Da mesma forma, cita que Marisa Monte também é popular “em seu país”. “E isso é que é triste, pois, em décadas passadas, o próprio Chico era capaz de unir esses vários Brasis em uma só voz. Como bandas como Legião Urbana fizeram nos anos 80”, comenta Ferreira.

A pesquisa Datafolha, encomendada pela agência publicitária F/Nazca, ouviu 2.166 pessoas com idade a partir de 16 anos, em março último, questionando qual o cantor, cantora ou banda elas mais têm escutado.

Nacionalismo
À parte a qualidade das letras, brasileiro gosta mesmo é de entender a canção que ouve, pra se emocionar com mais propriedade e para poder cantar junto. Somos um dos países que mais consome música nativa. Entre os 11 nomes apontados na pesquisa, nenhum é estrangeiro.
Fato que se confirma também na lista dos 50 discos mais vendidos no país (http://www.espetaculo.com.br/). Neste ranking, os internacionais surgem apenas a partir da 33ª posição (Linkin Park). Além da banda americana, estão presentes outros seis nomes: Ferguie (42ª), Ben Harper (44ª), Marron 5 (45ª), Vanessa Hudgens (46ª), Bom Jovi (47ª) e Amy Winehouse (50ª).

Os mais populares
Banda Calypso
Zezé di Camargo e Luciano
Bruno e Marrone
Roberto Carlos
Daniel
Leonardo
Ivete Sangalo
Calcinha Preta
Amado Batista
Aviões do Forró
Publicado no jornal www.ogirassol.com.br

Oh my dog!



Deus. Só quatro letras, mas uma palavra de subjetividade infinda. Criador de tudo, condutor de todos os destinos. Do surgimento do universo ao trajeto de uma nuvem, nada lhe escapa. Nem mesmo um gesto ou um pensamento nosso. Hum, que “Paranóia”!, como já falou Raul Seixas. “Minha mãe me disse há tempo atrás/ Filho onde cê for Deus vai atrás, Deus vê sempre tudo que cê faz/ Mas eu não via Deus, achava assombração”. Irônico o maluco beleza, e estou com ele.

Sinceramente, não imagino como alguém, com o mínimo senso crítico, possa acreditar em tal onipresença, ainda mais em um mundo que parece desgovernado. Sei não, mas se esse cara tá no comando de tudo, ele deve ter entrado na bandalheira política, porque a coisa por aqui tá feia. Ou será que ele não administra, que tá no pedaço apenas para nos julgar, sempre com o dedo em riste na nossa cara e anotando tudo o que fazemos em seu caderninho, para que, no dia do juízo final, possa dar seu parecer sobre a conduta de cada um? Ou seja, um deus a quem devemos temer, obedecer e, como diz uma colega, nos “prostrar aos seus pés”.

Na falta de um contato direto com este deus, devemos ouvir seus representantes na Terra. Por aqui, entre outras sandices, estes homens dizem que sexo só se for pra procriar e que devemos nos resignar com nossas mazelas, pois o sofrimento é um dos meios para garantir a salvação eterna.

Mas só “ele” sabe em que medida devemos sofrer, e, portando, pode julgar se merecemos algum alento. Assim, se falta comida, é levar as mãos ao céu e os joelhos ao chão! Em caso de doença, também. Para comprar um carro, abrir uma empresa, acertar na loteria e se tornar milionário, também vale pedir sua “mãozinha”. Se formos maus, ele nos manda à fogueira, mas se formos bons meninos pode nos recompensar com qualquer sorte de graça ou bens de consumo. Para agilizar o processo de pronta-entrega, podemos pedir diretamente a um de seus intercessores: os santos. E há padroeiros para todos os tipos de causa, ao gosto do freguês.

Em termos de mentalidade coletiva não evoluímos muito, se comparado aos nossos ancestrais, que ofereciam seres humanos em sacrifício para obter uma boa colheita. Ainda hoje, em religiões africanas, é comum a matança de animais-oferendas. Em outras, os fiéis apenas pedem, fazem promessa ou dão uma parcela de seus rendimentos à igreja, em troca de alguma recompensa.

Antigamente, não sabíamos qual o ritmo das marés nem a causa dos eclipses, o que era atribuído a variações no humor das entidades divinas. Hoje, ainda não sabemos afirmar categoricamente qual a origem do universo e atribuímos tal fato ao sobrenatural.

Alguns dos representantes deste ser a quem chamam deus ainda renegam a óbvia e ululante Teoria da Evolução, de Charles Darwin, assim como, um dia, negaram a hipótese da Terra ser redonda. Rejeitam o uso da camisinha, o debate sobre a legalização do aborto, o planejamento familiar e o segundo casamento. Pior que isso, metem o bedelho nas pesquisas científicas e tentam interferir no papel do Estado, não se contentando com as atribuições que lhes cabe como guias espirituais. Tentam boicotar pesquisas com células-tronco, clonagens e outras revoluções inegáveis para a humanidade, sem oferecer nada de prático em troca.

Alguns fiéis seguem à risca ou preceitos da religião que congregam, dando aval a toda sorte de asneira. Outros não! Pinçam, entre os dogmas, aqueles que estão ao seu sabor. É a religião “self-serviçe”, com os temperos e a medida desejada por cada um. Quando abusam daquele prato, partem para outro. Por mais que pareça uma descrição pejorativa, entre os não ateus é destes que mais gosto - os não bitolados, que se permitem experimentar. É, nas trevas das religiões, um ponto de luz, liberdade e leveza.

Erudito com cheirinho de pipoca



A praça dos Girassóis, um dos pontos de maior visitação da capital do Tocantins, Palmas, que já serviu de palco para grandes shows populares e popularescos, cedeu seu espaço ao melhor da música erudita, na noite do último sábado. No local, foi estacionado o caminhão-teatro do pianista Arthur Moreira Lima, que vem percorrendo o Brasil, com o intuito de apresentar a música clássica ao grande público. E mais de 2,5 mil pessoas foram à praça, para apreciar o concerto do pianista, considerado o mais popular e versátil dos intérpretes clássicos brasileiros.

Para começar, Moreira Lima, em seu piano-de-cauda com verniz já desgastado pela viagem a 177 cidades brasileiras, tocou clássicos de Bach, Beethoven e Chopin, priorizando os temas já assimilados pelo grande público, como “Serenata ao Luar” (Beethoven) e “Jesus, alegria dos homens” (Bach).

Ao apresentar Frédéric Chopin como o compositor que levou nacionalidade à música clássica, por introduzir elementos da cultura polonesa à sua obra, Arthur Moreira Lima abria espaço no repertório de seu concerto para o brasileiro Villa Lobos. Seguidor de Chopin, Villa Lobos inseriu ritmos folclóricos na música erudita. Dele, foi executada a composição mais popular: “Trenzinho caipira”.

Daí em diante, a apresentação de Moreira Lima se abrasileirou, em ritmo de choro e baião, nas composições de Radamés Gnatalli, Ernesto Nazareth e Luiz Gonzaga. A sisudez dos primeiros momentos estava quebrada. Um cheirinho de pipoca estava no ar, atiçando ainda mais as diversas crianças que caminhavam entre os corredores de cadeiras. Algumas autoridades nas primeiras filas até arriscavam um grito de “bravo” entre as músicas e já ficavam de pé, em reverência ao pianista.

Para concluir, foi apresentado o Hino Nacional Brasileiro, acompanhado de pé, pelo público. Nesta posição, ao final todos saudaram Arthur Moreira Lima com visível entusiasmo. Era a música clássica, pela primeira vez, vestida de fraque na grande praça pública. Se a massa popular não foi atraída ao concerto, estava lá parte de uma classe média que raríssimas vezes tem acesso a apresentações artísticas nacionais, em Palmas, a capital de menor população do Brasil.

No Tocantins, a apresentação de Moreira Lima já passou pelas cidades de Gurupi e Porto Nacional. Nos próximos dias, será a vez do público de Colinas, Araguaína e Araguatins conferir a apresentação.

Louvável a iniciativa do músico, que se ausenta por um tempo do requinte dos palcos internacionais para percorrer os rincões do Brasil. Quem dera outros artistas fizessem o mesmo, saindo dos salões nobres, das casas de show aristocráticas, para mostrar ao grande público que ainda se produz arte de qualidade neste País e para levar um pouco mais de beleza às suas vidas. A grande vitrine está fechada aos bons, mas esta é a prova de que podem-se abrir espaços. Se o erudito consegue isto, imagina outras manifestações artísticas, mais populares por sua própria natureza.

O pianista
Virtuoso, Arthur Moreira Lima começou a estudar piano aos seis anos de idade. Aos nove, já interpretava peças inteiras de Mozart. Um ícone da música clássica brasileira e considerado um grande intérprete do repertório romântico, ele venceu concursos internacionais em Varsóvia, Moscou e Inglaterra e se apresentou como solista em diversas orquestras do mundo.

O projeto
O projeto “Um piano na estrada” está em seu 5º ano e já percorreu 19 estados brasileiros, levando música clássica aos mais diferentes públicos. O projeto foi idealizado pelo próprio Arthur Moreira Lima, que criou o caminhão-teatro adaptado a um caminhão Scania. A carroceria do caminhão se transforma em palco em apenas uma hora, e conta com 45 m² de área de cena. Antes do próprio pianista, é priorizado que se apresentem músicos locais.

Publicado em: www.overmundo.com.br
Julho/2007

A paixão do sertanejo, só o sertanejo entende



A vida do sertanejo as vezes é uma grande peleja.
É quando falta comida, mas sobram espinhos na caatinga...
... E só o mandacaru e os pés de juá emprestam verde à paisagem.
É quando o açude seca, quando racha o solo.
É quando o gado cai ao chão, só pele e osso.
E, mesmo assim, o auxílio da emergência vai para os compadres do prefeito.

Mas nada disso abala o sertanejo.

Sua fé é firme, sua esperança nunca seca.
Existe uma paixão que é mais forte, e que se reacende quando a primeira nuvem escurece.
Existe um orgulho de ser lutador...
...De trabalhar nas mesmas terras que foram dos seus bisavós, dos seus avós e pais.

Por isso, o apego aos santos, o joelho no chão (como raízes), e as mãos para o céu.
Por isso, uma gota que cai do céu – ou que só ameaça cair – já é um alívio...
... E, dos olhos, não saem lágrimas de lamento.

Por isso, a primeira chuva já lava todas as dores.
O verde que brota é a própria redenção.
E a colheita, sozinha, traz uma alegria sem tamanho.

Isso, só quem é do sertão pode entender...

Texto escrito para abertura da apresentação da quadrilha junina Luar do Sertão, do distrito de Taquaruçu (Palmas-Tocantins) e publicado no site http://www.ecosdotocantins.com.br/
Julho de 2007

Ser de outro sertão – uma crônica paraibana



Em tempos globalizados, o meu sertão praticamente deixou de ser sertão. Das coisas que lá vivi na infância, muitas não existem mais. Lembro, nos períodos de estiagem, das torneiras anunciando, com um som metálico e descontinuo, a falta d’água. Era tempo de espera pela chuva ou pelo alento dos carros-pipa. Surgia um destes carros e logo se formavam filas de braços amarrados a latas d’água, todas sedentas.

E quando o céu começava a se anuviar, era uma ansiedade só. Diziam que a chuva já passava por Pedra Branca logo chegaria a Itaporanga, nossa cidade. Lá, tempo bom é tempo fechado. Mas isso não acontece como cá, onde as nuvens surgem num instante e se desmancham numa pressa danada. No sertão, as nuvens se ajuntam aos poucos, apontando o olho do povo para o céu. As vezes, traiçoeiras, vão embora, deixando o sertanejo desolado. Outras vezes, em atendimento às preces a São José, elas se precipitam. Então, é uma alegria só. Para a meninada, é a chance de correr entre as biqueiras das casas e de brincar de barquinho na água que escorre. Para os adultos, significa a certeza da colheita farta, do milho, da macaxeira, do jerimum e do feijão verde esparramados ao chão na feira livre dos sábados.

Mas os tempos mudaram. Novos açudes deram mais segurança para o sertanejo plantar, e, como a estrada entre o sítio e a cidade parece ter encurtado de tamanho, a feira livre agora é diária. Os jumentos, que antes carregavam o agricultor à feira, foram substituídos pelas motos e já não ficam mais amarrados nas árvores e postes da minha cidade. Foi-se o tempo também da venda dos colchões de palha, da presença dos cantadores populares, dos poetas de cordel e dos vendedores de pomadas milagreiras, que curam da frieira ao câncer. Na feira, ainda tem candeeiro de zinco, arreio de cavalo e fumo de rolo para vender, mas dividindo espaço com CDs e DVDs piratas.

Outra recordação marcante é a da procissão de romeiros de Padre Cícero, todo dia 20 do mês, relembrando a morte do santo consagrado pelo povo. Eu adorava ver os fogos espocando no céu e as fiéis, de luto fechado e vela na mão, saudando seu santo a gritos de “viva meu Padim Pade Ciço”. A procissão não acontece desde a morte de seu organizador, Zé dos Retalhos, um comerciante (lógico, do ramo de tecidos), que também ergueu uma estátua para o santo popular. No local, eram depositadas cabeças, pés, braços e toda sorte de esculturas em madeira, em agradecimento às graças alcançadas. A Igreja, que jamais deu atenção aos romeiros, preferiu erguer uma réplica do Cristo Redentor no alto da serra, um cartão postal que nunca atraiu turistas nem peregrinos.

Apesar do tom saudosista, fico contente em saber que muitas coisas mudaram, afinal fazem 17 anos que saí de lá. Não quero meu sertão árido em palavras e emoções, como aquele descrito por Graciliano Ramos em Vidas Secas. Não quero que meu sertão seja “uma espera enorme”, como é o de Guimarães Rosa. Quero-o falante, cheio de lendas e estórias, igual ao sertão de Ariano Suassuna.

Quero ver a alegria da colheita, a meninada correndo no meio da rua, mas também as indústrias têxteis se instalando, com a perspectiva da chegada de universidades e agências bancárias, dando mais assunto às mulheres conversadeiras da calçada. Quero ver minha cidade ir além, cobrindo o descampado da caatinga. E quando alguém “deixar o seu Cariri no último pau-de-arara”, que seja por opção e nunca por necessidade.

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Junho/2007

Onde você guarda seu preconceito?



Onde está o seu preconceito? Num gesto intolerante, de fúria e agressão, tipo “ataque neonazista”? Ou numa ação velada, na piada intransigente contada entre os conhecidos, em meio a um ambiente amistoso, como se fosse um gesto ocasional e sem conseqüências? Ou, ainda, está guardado num fio do subconsciente, disfarçado de uma falsa “aceitação” às minorias? Onde ele estiver, qualquer que seja a medida do seu preconceito, livre-se dele.

Com causas históricas e culturais, o preconceito nunca se extingue. Em algumas situações pode ate se atenuar, como no caso do racismo, do machismo e da homofobia, hoje considerados retrógrados, inaceitáveis em muitos ambientes. Mas, enraizado, o preconceito se desdobra, ganhando novas formas, de acordo com os valores vigentes na sociedade. Na era do consumo e das vaidades, se insurge contra os pobres e contra aqueles que não se enquadram em padrões estéticos cada dia mais estreitos... E por ai prossegue, formando um rosário de intolerância e rejeição.

Vivemos nos renegando, virando as costas uns para os outros. São sulistas contra nordestinos, moralistas contra libertários, direitistas contra esquerdistas. Subjugamos o próximo mais por uma necessidade de auto-afirmação que, propriamente, por uma atitude de desprezo. É o branco que, ao julgar o negro inferior, se coloca um patamar acima, se sentindo mais confortável diante do infortúnio alheio. É o homem que, ao oprimir a mulher, conquistava mais espaços nos ambientes sociais e trabalhistas.

Mas bem que poderia ser o contrário, a começar pelas próprias minorias. O negro, que conhece a dor do racismo, acolhendo o pobre. O pobre, por sua vez, acolhendo o negro e a mulher. A mulher acolhendo o negro, o pobre e o homossexual... Daí por diante, de modo que o branco, o rico e o macho heterossexual reconhecessem essa harmonia, se integrando a ela, mesmo que por uma imposição cultural, de enquadramento numa nova ordem das relações sociais.

E quando falo em “acolher”, me refiro a algo muito superior à aceitação. Pois, quando nos propomos a aceitar o outro, também nos colocamos um degrau acima, mas ser estender a mão, para que ele alcance o mesmo nível. É, também, uma necessidade de auto-afirmação. Nos sentimos altruístas e, ante as demais pessoas, nos julgamos mais à frente e abertos as diferenças. Contudo, trata-se mais de um gesto de falsa ¨piedade¨ que de harmonia nas relações pessoais.

E você, quais os seus preconceitos e qual a dimensão deles? Reconheça-os, para pode livrar-se destas limitações. Aprenda a julgar as pessoas pelo caráter de cada um, e não por ranços sociais.

Publicado em: www.jornaldotocantins.com.br
Junho/2007

Para Vanessa da Mata diga “Sim”



Generosa em elogios aos seus colegas de trabalho, Maria Bethânia sentenciou há pouco tempo: “Vanessa da Mata precisa ser reverenciada, adulada. Ela é o novo Guimarães Rosa do Brasil”. Exageros à parte, o aval da primeira-dama da MPB tem sentido, pois desde o surgimento de Adriana Calcanhotto, no inicio da década de 1990, era esperada uma outra cantora popular tão cheia de estilo.

Seu talento, a matogrossense mostrou já na estréia, em “Vanessa da Mata” (2002), um álbum intimista – ainda o melhor de sua carreira. No segundo disco, “Essa boneca tem manual” (2004) ela se reinventou e conseguiu provar que pode existir inteligência no universo Pop. Mas foi com a pior faixa do disco, a radiofônica “Ai ai ai...” que Vanessa alcançou o auge da popularidade e se tornou detentora da música nacional mais executada nas rádios, em 2006. Agora, com “Sim” (2007), seu terceiro disco, Vanessa consolida a carreira ao mostrar que não está amarrada a gêneros musicais. Apenas a coerência é seu guia.

No novo disco, da Mata retorna às origens – de quando foi vocalista das bandas de reggae Shalla-Ball e Black Uhuru – e grava, pela primeira vez, o ritmo jamaicano. E são logo três canções: “Vermelho”, que abre o disco, com potencial para se tornar um grande hit; a ecológica “Absurdo” e “Ilegais”. Baladas, também são três: “Amado”, “Meu Deus” e “Minha herança: uma flor”, esta, de extrema beleza e sensibilidade, quebra a festividade marcante dos arranjos e fecha o álbum com um intimismo que chega a doer. Só o próprio violão de Vanessa acompanha sua voz, quase sussurrada, como se ela murmurasse ao pé do nosso ouvido. Detalhe: é a primeira vez que a cantora, rudimentar em suas técnicas, toca um instrumento musical nos próprios discos. Mas a emotividade supera deficiência das poucas notas ao violão.

Em “Sim” há espaço para a disco music, na ótima “Você vai me destruir” – também um possível grande sucesso -, em que a cantora exibe uma rara interpretação dramática. Os sambas também estão presentes, nas espirituosas “Fugiu com a novela” e “Quando um homem tem uma mangueira no quintal”. Até uma rumba está presente em “Sim” (Pirraça), isto sem falar no Pop de “Boa Sorte/Good Luck”, primeira faixa de divulgação, cantada em dueto com o norte-americano Ben Harper. A canção foi a mais executada nas rádios do Rio de Janeiro, entre 11 e 15 de junho.

Neste disco (produzido por Mário Caldato e Kassin), se Vanessa da Mata não consegue repetir a delicadeza e o preciosismo das composições de seu primeiro álbum, ao menos ela está bem mais diversa que em “Essa boneca tem manual”. A cada novo disco, novos méritos. Agora Vanessa da Mata nos prova também que a inteligência pode estar associada ao grande varejo da música e que, sim, ela veio pra ficar.

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Junho de 2007

Maria Bethânia: maturidade e ousadia



Intérprete chega aos 61 anos com raízes no passado musical, mas antenada com a nova geração

Figura ímpar da música brasileira, pela alta carga de dramaticidade que imprime a cada canção, a cantora baiana Maria Bethânia chega aos 61 anos, nesta segunda-feira, 18 de junho, ostentando o título de única diva em atividade da MPB. Isto porque é a única de sua geração que está no auge da carreira. Ao mesmo tempo em que se permite cantar os clássicos de autores do passado, ela também se mostra uma das melhores intérpretes dos grandes compositores de sua geração, destacando o irmão Caetano Veloso e Chico Buarque de Hollanda. Bethânia ainda consegue coerência quando abriga a nova geração sob seu canto. Ana Carolina, Arnaldo Antunes, Adriana Calcanhotto, Chico César, Vanessa da Mata e Lenine estão entre os que lhe deram o passaporte para a contemporaneidade, ao compor enxergando sua interpretação.

Além de colegas de ofício, muitos são os que se rendem à sua majestade. Em terras brasileiras, Bethânia se tornou a primeira mulher a superar a marca de 1 milhão de cópias vendidas de um álbum (Álibi, de 1978). Ainda hoje, detém o título de segunda artista feminina que mais vendeu discos na história do Brasil, com 24 milhões de cópias. O primeiro lugar foi cedido pelo público infantil à apresentadora Xuxa, que alcançou 30 milhões de cópias. No site de relacionamento Orkut, são mais de 180 comunidades dedicadas à cantora, algumas nada modestas, como “Bethânia – entidade de luz”.

O reconhecimento internacional ao seu talento pode ser expresso na comparação, feita pelo jornal americanoThe New Times, em 1998, entre ela, Billie Holiday e Edith Piaf, sendo estas últimas duas das maiores intérpretes da música mundial.

Tudo isso pode ser apontado como resultado da coesão de seus 44 anos de carreira. Ao reverenciar compositores atuais ou do passado, Maria Bethânia torna uniforme um repertório que, a princípio, poderia ser considerado desconexo. Com seu timbre firme e a interpretação dramática, ela praticamente se torna co-autora das canções que entoa. Para os fãs, essas características lhe tornam a última cantora de uma linhagem descendente das “rainhas do rádio”. Os que não gostam do estilo já lhe deram a chancela de “cantora de churrascaria”.

Em sua trajetória, Bethânia nunca se rendeu a movimentos musicais e só cantou o que quis. Por isso, brigou com executivos de diversas gravadoras até chegar à independente Biscoito Fino, em 2002, onde aproveita da liberdade para realizar projetos conceituais e corajosos, como Brasileirinho (em que revê a trajetória de formação ultural da nossa gente) e Mar de Sophia e Pirata, estes lançados simultaneamente em 2007, tendo a água do salgada e a água doce como mote criativo.

"Só canto o que quero, com quem quero, como e quando quero. Nunca entendi nenhum movimento, porque não tenho paciência. Não posso jamais ser uma cantora de bossa nova, uma cantora de protesto, uma cantora tropicalista. Como cada dia eu quero cantar uma coisa, prefiro não me ligar à nada e a ninguém, para poder cantar o que o meu coração mandar", disse, certa vez. Ao mesmo tempo em que mantêm uma identidade durante toda a carreira, Maria Bethânia é plural. Saravá.

O QUE SE DISSE SOBRE MARIA BETHÂNIA

Mas Bethânia, abelha rainha, canta basicamente com todo o fluxo de sangue que corre pelas veias de seu corpo, fonte de energia de cor de Iansã. São rios sanguíneos de paixão e ira, romance e revolta, doçura e dureza, nascidos da melhor tradição do Brasil profundo, um Brasil gentil e barroco, cheio de violência e espírito, que ainda não aprendemos a compreender.
Cacá Diegues - cineasta

Maria Bethânia se tornou uma estrela da noite para o dia no Rio de janeiro, no início de 1965. Tudo nela era diferente de todas as outras, muito diferente: voz, figura, gestos, sexualidade, sotaque baiano. Atitude.
Nelson Mota – compositor e crítico musical

Por que, afinal, Bethânia sobe ao palco de pés descalços? A palavra "raiz" responde a tudo. A cabeleira de Maria, copa generosa, balança-se ao vento e à voz de uma grande artista.
Washington Oliveto - publicitário

Bastou os primeiros versos de Carcará e todos sentiram que estavam diante de uma deusa cheirando a cangaço, cuja voz rascante parecia nascer de fontes ressecadas pelo sol. Bethânia é divina.
Carlos Heitor Cony – escritor

Ela, com o seu jeito quieto, faz coisas grandiosas através do seu trabalho. Bethânia está na minha vida. Anos atrás, foi ela quem me ensinou a cantar no palco. Minha postura, a maneira como entendo o palco, devo a ela. Tudo o que sei emana dela. Somos artistas quentes.
Gilberto Gil – Ministro da Cultura, cantor e compositor

Maria Bethânia tem o dom de transformar canções aparentemente sem importância em verdadeiros clássicos. Ela tem a capacidade de tocar no profundo, porque entrega-se totalmente, coloca-se à disposição da canção.
O fato de ela estar cantando músicas minhas, de Brown e Arnaldo Antunes, é muito importante para a nossa geração, é como se ela dissesse: Eu acredito em vocês!"
Chico César - cantor e compositor

Maria Bethânia é um perigo para quem está despreparado emocionalmente, destrói qualquer monstro de terno e gravata que não sabe dizer eu te amo a uma mulher.
Bethânia é uma condutora de palavras, é quem melhor pronuncia o português ao lado de Roberto Carlos.
Carlinhos Brown - cantor e compositor

Maria Bethânia ajuda a construir nosso país com a sua voz tão pessoal e com a verdade e a beleza do seu trabalho. Essas características de sua arte fazem dela, de fato, uma intérprete da alma e da vida brasileira.
Ferreira Gullar – poeta

Maria Bethânia quebra todos os estereótipos, seu jeito e estilo são únicos.
Marta Suplicy – Ministra do Turismo

Na sua voz se encontra a solidão áspera da seca e a generosidade volumosa da chuva. A voz de Bethânia não escolhe - escorre.
Bethânia é amiga do vento e ele, por sua vez, se incumbe de mixá-la nos canaviais. A voz de Bethânia nasce no sertão.
Orlando Moraes - cantor e compositor

Maria Bethânia é a minha cantora predileta. Maria é a primeira cantora do Brasil, tendo sempre mantido uma postura de total lealdade perante as raízes em nossa música popular.
Bibi Ferreira - atriz

Algumas atitudes (ou realidades) de Maria Bethânia, como a ausência de medo no palco, o humor, a entrega, o gosto pelo risco e a liberdade, tornaram-se metas que persigo com disciplina. Alguns rigores de Maria Bethânia, como o de fazer tudo o que faz muito bonito para que as pessoas pensem sobre a beleza, me interessam cada dia mais.
Adriana Calcahotto – cantora e compositora

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Junho de 2007

Sensações materializadas



Tenho um prazer incomum quando noto que um pensamento, uma sensação ou uma forma pessoal de perceber a si mesmo, as pessoas e as coisas deste mundo foi transmutada em algo que se pode tocar, compartilhar e guardar como uma preciosidade. É, para mim, a própria quebra dos limites ente o campo metafísico e o mundo real.

Podem me chamar de bobo, mas me impressiono quando leio um bom livro e vejo que nele se esconde um universo à parte, muitas vezes mais envolvente que o nosso.

É estranho perceber que pensamentos tomaram corpo, que foram materializados por uma seqüência de códigos - letra por letra, formando nomes, frases, parágrafos e capítulos. Códigos indecifráveis para muitos, analfabetos de alma ou de escolaridade. Como bem traduziu Caetano, “Os livros são objetos transcendentes, mas podemos amá-los do amor táctil que votamos aos maços de cigarro”.

Em uma estante pode estar adormecido, sob uma fina camada de poeira, um mundo de histórias, fantásticas, trágicas, engraçadas ou simplesmente semelhantes às nossas vidas. Após um toque, um folhear de páginas, despertam seus personagens e suas existências se reiniciam.

E enxergando estes mundos, podemos ver com mais nitidez a nós mesmos e aos outros. Pois, como disse Fernando Pessoa, "quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma".

Também me impressiona que, em curtas estrofes, poetas possam traduzir um profundo estado de espírito ou toda uma percepção de mundo. A poesia é, ao mesmo tempo, um portal e um alimento para aquilo que chamamos de alma. Então vale o alerta da poeta Natália Correia aos fracos de espírito, “ó sub-alimentados do sonho, a poesia é para comer”.

Outra situação mágica é quando, na sala do cinema, olho para o alto e vejo um feixe de luz cortar o ambiente. Aquela luz, penso, será minha condução a uma outra realidade; a atmosfera escura facilita a viagem. Quando surgem os créditos finais na tela, tomo consciência que devo retornar.Em 15 minutos estou de volta, mas algumas vezes não sou mais o mesmo.

E o que dizer da música, considerada a linguagem universal, que ultrapassa fronteiras e se faz entender pela emoção. Penso em Cartola, pedreiro semi-analfabeto que revelava extremo refinamento como letrista; e em Dorival Caymmi, mulato de traços fortes e voz de um tom grave incomum, mas um compositor sensível e comovente como o próprio mar. Em Cartola e Caymmi, a música – e somente a música - é que os revela.

A música é o canal de acesso mais rápido à alma. “Ela me libera de mim mesmo, ela me separa de mim mesmo”, como já disse Nietzsche. Para mim, e para ele, a música está ligada à própria existência. “A vida sem a música é simplesmente um erro, uma tarefa cansativa, um exílio”, dizemos nós.

A arte é, sem dúvida, transcendental; e os artistas espécie de semideuses - alguns dignos de culto.

Parafraseando Pessoa – novamente ele, “não sei ser prático, cotidiano, nítido”. Assim, quando fujo para o mundo do imaterial, é que me encontro.

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Março/2007

Raimunda, quebrando limites



Do primeiro raio de sol ao cair da noite, muita coisa acontece na vida de uma quebradeira de coco babaçu. Mas foi neste curto espaço de tempo, entre uma alvorada e o entardecer, que o cineasta Marcelo Silva conseguiu relatar não somente as dificuldades cotidianas destas mulheres, mas também a trajetória da líder sindical Raimunda Gomes da Silva, personagem central do vídeodocumentário Raimunda, a quebradeira, representante do Tocantins na 3ª edição do DocTV, que será lançado oficialmente no próximo dia 13, na capital Palmas.

Para quem não sabe, Dona Raimunda, como é conhecida, viajou continentes representando a causa das mulheres extrativistas. Por seu histórico, ela recebeu muitas homenagens - uma delas prestada pelo Senado Federal - e integrou a lista de mil mulheres, de todo o mundo, concorrentes ao prêmio Nobel da Paz de 2005.

Hoje, Dona Raimunda é aposentada. Vive modestamente, mas com certo conforto, no município de São Miguel do Tocantins, na mesma região isolada onde trabalhou, chamada de Bico do Papagaio, divisa com o Maranhão. Ela ganhou manchetes, foi ao Canadá, França, China e Estados Unidos, mas, de maneira contraditória, algumas quebradeiras de coco desconhecem quem seja ela.

E o mérito de Raimunda, a quebradeira é mostrar, de modo subjetivo, a causa deste anonimato da líder sindical entre algumas das quebradeiras que estão na ativa.

O vídeo não se limita à trajetória de Dona Raimunda, muito menos ao reconhecimento alcançado por ela, se livrando das amarras de uma videobiografia tradicional.

Enquanto narradora do documentário, Dona Raimunda relembra o tempo em que percorria babaçuais, coletando e quebrando coco. Ilustrando seu relato, o vídeo mostra como é, atualmente, um dia de trabalho de quebradeiras que vivem isoladas, entre os pequenos povoados e as matas que lhes servem como local de trabalho.

Para este grupo de mulheres - raimundas anônimas -, não existe acesso à informação, consciência política nem organização sindical. O dia passa rápido e tem que ser dedicado inteiramente ao trabalho, caso contrário elas não conseguirão comprar o pouco de farinha e café que lhes serve de alimento. Neste contexto, não é de se estranhar que estas trabalhadoras, privadas de muita coisa – inclusive de conhecimento -, nunca ouviram falar da líder sindical que deu visibilidade à sua causa.

Além da crueza do trabalho das quebradeiras, o vídeodocumentário de Marcelo Silva ensaia uma discussão sobre os sangrentos conflitos agrários na região do Bico do Papagaio. Neste momento, o ponto emocional é a declamação, pelo músico Zeca Baleiro, do poema A morte anunciada de Josimo Tavares *, de Pedro Tierra.

Seguindo a mesma linha, Silva anuncia que seu próximo documentário será sobre o homem que pode ser considerado o primeiro ecologista do Tocantins, o promotor de Justiça Leônidas Duarte, que expulsou madeireiras multinacionais do Bico do Papagaio, na década de 1940. A intenção do cineasta é dar visibilidade a um idealista que, também, não alcançou o reconhecimento local merecido.

* Amigo de Dona Raimunda, Josimo Moraes Tavares era padre. Ativista, ligado à Teologia da Libertação, ele foi assassinado em maio de 1986, quando subia as escadas que levavam à secretaria da Comissão Pastoral da Terra em Imperatriz (MA). Foi percorrendo o Brasil para denunciar a morte de Josimo e os conflitos agrários da região que Raimunda começou a ganhar notoriedade.

NA FRANÇA E ESTADOS UNIDOS

Seguindo a trilha da própria personagem título, em março, o documentário se torna alvo de olhares estrangeiros. Serão expostas no Museu de Arte Moderna da cidade de Marselha, dia 7, e no Festival de Cinema Brasileiro de Paris, dia 18, as fotos do francês Rodolph Hamadi, captadas no período de filmagens do documentário, retratando o cotidiano das quebradeiras.

Na seqüência, no dia 30, a exposição segue para Nova Iorque, onde será exposta no Liceu de Arts, uma escola francesa tradicional. Em cada cidade, ocorre simultaneamente a exibição do filme. Em duas exposições, serão realizados leilões das fotos para arrecadar fundo para as quebradeiras. Em meio a uma programação extensa, haverá, em Marselia, um jantar também em prol das trabalhadoras.

Marcelo Silva acredita que, além destes benefícios pontuais, outros poderão surgir com a sensibilização do público europeu e norte-americano. “Já está acontecendo, mas não estamos anunciando nenhum benefício porque estamos aguardando as confirmações”, adianta ele.

QUEM SÃO AS QUEBRADEIRAS

Nos estados do Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí, estima-se que um contingente de quase 300 mil mulheres vive de coletar o coco babaçu, nativo da região. De sua amêndoa, extraem o óleo vegetal, com o qual cozinham e produzem sabão. Da casca do coco, fazem lenha; da palha da árvore, cestos. Nada se perde.

Mas elas só utilizam para si o excedente da produção. O trabalho de coleta e quebra do coco é árduo e penoso, senão pouca será a amêndoa comercializada no final do dia. Para alcançar resultados, elas se juntam em grupo ainda na madrugada e adentram matas e fazendas. A mão-de-obra infantil se faz bem vinda.

Sentadas embaixo das palmeiras de babaçu, com um machado entre as pernas, apóiam o coco sobre a lâmina e batem nele com um porrete. O movimento é preciso e se repete automaticamente até o cair do dia.

Para continuar tendo acesso aos babaçuais, mulheres como Dona Raimunda lutam pela aprovação da Lei do Babaçu Livre. Quando conseguirem, nenhuma cerca farpada, em nenhuma fazenda, poderá ser empecilho para o seu ganha-pão.

QUEM É DONA RAIMUNDA

Dona Raimunda, 66 anos, é uma mulher baixinha e corpulenta, de traços fortes. Com um linguajar simples, ela mescla temas cotidianos e toca em feridas sociais em seus discursos, esteja em comunidades agrícolas ou palácios de Governo, sem perder o tom diplomático. Nunca estudou, mas é uma líder nata, de visão política apurada.

Nasceu em Novo Jardim (MA), filha de agricultores pobres, em uma família de 10 irmãos. Casou-se aos 18 anos, mas, em meio a uma relação difícil, decidiu abandonar o marido 14 anos depois e criar sozinha os seis filhos, trabalhando como lavradora. Na sua constante migração à procura de serviço, chegou ao Bico do Papagaio, região desasistida ordem moravam 52 famílias. Para levar trabalho comunitário à região e proteger os moradores das ameaças de grileiros, começou a mobilizar a criação de sindicatos rurais.

Em sua trajetória, foi responsável pela Secretaria da Mulher Trabalhadora Rural Extrativista do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e uma das fundadoras da Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Asmubip).

Hoje, Raimunda está em seu segundo casamento, com o também aposentado Antonio Cipriano, e adotou seu sétimo filho, Moisés, órfão de um líder sindical assassinado na década de 1990.

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Março de 2007

Quando as cores invadem ruas e avenidas



Em pouco mais de dez anos de atividade como artista plástico, Pierre de Freitas conseguiu se firmar como um dos profissionais mais reconhecidos do Tocantins. E isso não se deve apenas às cores fortes, às imagens instigantes e à técnica requintada impressa em suas telas. Motivado em colaborar na formação de um público que aprecie e consuma arte plástica, Pierre saiu do seu atelier e do circuito das galerias de exposição. Ele foi às ruas, se aproximou do cidadão comum e chamou a atenção da imprensa para seu trabalho e, principalmente, para suas idéias.

Há cerca de seis semanas, qualquer pessoa pode vê-lo pintar, próximo a uma das rotatórias mais movimentadas do centro de Palmas. Mas essa é apenas uma das intervenções recorrentes que Pierre já fez nos espaços públicos da cidade.

Puxando pela memória, podemos lembrar do “Varal das artes”, em que reproduções de seus desenhos foram distribuídas por 40 locais de grande concentração popular, como pontos de ônibus e ruas movimentadas, em 2005, em Palmas e também em Goiânia. Por duas eleições consecutivas, Pierre de Freitas também se utilizou de intervenções artísticas, no gramado do Espaço Cultural, para promover a cidadania, protestando contra o voto em branco. Isto além das manifestações coletivas que participou, no Tocantins e também em Cali, na Colômbia, onde fez curso de extensão acadêmica.

O principal motivo para levar sua arte à rua, diz, é pagar uma dívida pessoal que tem para com a sociedade. “Sempre estudei em escolas públicas e também em uma faculdade pública. O povo, através dos governos, foi quem pagou meus estudos”, explica.

Quando trabalha em plena avenida, Pierre sabe que chama a atenção por estar em meio a uma paisagem esteticamente vazia, embora movimentada. Ainda assim, não perde a concentração, mesmo quando os mais curiosos se aproximam para conversar. “Gosto dessa coisa urbana, de pessoas passando, barulho, cheiro de gasolina”, diz. Na rua, ele quase disputa espaço com mercadores de arte – na verdade, vendedores de telas reproduzidas em série. Mas também recebe encomendas de trabalho e conversa com pessoas, jovens ou de mais idade, que nunca freqüentaram uma exposição.

Pierre de Freitas proporciona o contato de gente comum com as artes plásticas, independente do entendimento que elas terão sobre o que vêem. “A compreensão sobre um trabalho artístico é relativa. Depende muito do momento que se está vivendo, do seu modo de enxergar a vida”, avalia.

Apesar do desprendimento com que realiza este trabalho, ele deixa nítida certa contrariedade com os gestores públicos de cultura, a quem “falta sensibilidade para criar mecanismos e possibilitar ações em que haja o envolvimento popular”, considera.

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Fevereiro/2007

O público e o privado na vida das celebridades



Estava eu ha certo tempo, como de costume, em frente a uma banca, olhando as manchetes das revistas semanais. Das de variedade às de fuxico. Destas, a Caras estampava um beijo inesperado entre a atriz global Karina Bacchi – mais uma das loiras com “beicinho sexy” da emissora carioca – e o baixinho da Kaiser, que tem o dobro da idade moça. Os dois, assim como suas assessorias, não confirmavam o romance. Apenas comentavam o encontro de modo a incentivar especulações. O tempo passou; o garoto-propaganda e a atriz não apareceram mais juntos. Eis que, então, no novo comercial da cerveja, o baixinho aparece em um bar, quando três garotas comentam interessadas: “O Baixinho da Kaiser? Sem a namorada?”. Elas disputam entre si para chegar até ele, mas, para desapontamento das três, logo surge em cena uma outra loira - Adriane Galisteu -, que abraça o baixinho, dizendo: “Demorei, meu amor?”.

Hipoteticamente, tratam-se de casos distintos. Um envolvendo a vida particular, outro uma peça de trabalho destes artistas. Mas as coisas não são tão simples assim. Há muito tempo o limite entre vida pública e vida privada foi rompido; e a distância entre elas diminui a cada dia - incentivada por um número crescente de revistas e programas de fofoca, pela popularização da internet (em que a informação circula livremente) e pela autopromoção de famosos.

Ficou claro que o namoro entre o garoto-propaganda e a beldade global se tratava de um golpe de marketing, entrelaçado com a própria publicidade da cerveja. Neste caso, todos lucraram. Karina Bacchi certamente cobrou algum cachê pela encenação, e seus olhinhos azuis devem ter brilhado ao verem sua foto na capa da Caras. A cervejaria ganhou exposição gratuita na mídia (em relação ao suposto namoro) e conseguiu maior atenção do público para seu comercial. Já Galisteu e o baixinho cumpriram seu papel de garotos-propaganda, recebendo devidamente para isso.

Quanto à autopromoção de famosos, nos últimos anos houve uma evolução a ponto do vale-tudo por um lugar ao sol, seja para se fazer conhecido ou para tentar manter-se em evidência. Vale desde abrir as portas de casa para cliques fotográficos até sair sem calcinha para mostrar o que antes só era exibido nas páginas de revistas masculinas. Vale ir a programas de televisão para escancarar a vida sexual, os desastres amorosos ou para tecer comentários sobre coisa nenhuma. Em meio a isto, namorar alguém famoso ou freqüentar o maior número de festas só para atrair flashes curiosos é fichinha.

E estes personagens pipocam na mídia, sob a indecifrável alcunha de “celebridade”. Não precisa ser um artista legítimo nem mesmo uma “modelo-atriz-e-dançarina” para ter direito aos 15 minutos de fama. Ser uma celebridade instantânea é quase para qualquer um, desde que se tenha a sorte ou a tática necessária.

Ser bonito é praticamente a única qualidade indispensável para chegar lá; se for desinibido então... Pode-se namorar um pagodeiro ou, com sorte, o maior craque do futebol de todos os tempos, um ícone do automobilismo ou um grande rockstar - isto com chances de, depois, chegar ao cobiçado posto de apresentadora de TV. Com uma bela estampa, também pode-se entrar para um reality show ou ser eleita a musa do momento (do carnaval, do rebolado e até musa do mensalão, pode?). Ah, e ser filho de famoso já é um pontapé para também se tornar um famoso.

Há um grande porém nesta questão. Como não produzem nada profissionalmente, as novas “celebridades” só têm a própria intimidade e as opiniões vazias para apresentar à mídia e se fazer notícia. Para elas, vida pública e vida privada são a mesma coisa.

Se antes as revistas semanais de maior apelo popular traziam em suas capas a antecipação dos capítulos das novelas, hoje estampam a intimidade dos famosos. Com isto, um no novo conceito midiático começa a se instalar – o de que a influência de um artista se mede por seu tempo de exposição, e não mais por sua produção cultural.

Vejamos o caso de Marília Gabriela, que em 2006 foi listada entre os famosos brasileiros que têm mais credibilidade para anunciar produtos em peças publicitárias. Seu nome aparece junto ao de Xuxa, Raul Gil e congêneres. Você acredita que isto é resultado das ótimas entrevistas que ela conduz ou da visibilidade que adquiriu em oito anos de casamento com o ator Reynaldo Gianecchini?

Enquanto isso, diante da rara aparição de um bom artista nos meios abertos de comunicação, a massa pergunta: “Quem é?”; ou então exclama: “Ué, achei que esse aí já tinha era morrido!”.
É, eu estou achando que alguns valores andam meio invertidos...

Janeiro de 2007
Publicado em: www.jornaldotocantins.com.br e http://www.overmundo.com.br