quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Sensações materializadas



Tenho um prazer incomum quando noto que um pensamento, uma sensação ou uma forma pessoal de perceber a si mesmo, as pessoas e as coisas deste mundo foi transmutada em algo que se pode tocar, compartilhar e guardar como uma preciosidade. É, para mim, a própria quebra dos limites ente o campo metafísico e o mundo real.

Podem me chamar de bobo, mas me impressiono quando leio um bom livro e vejo que nele se esconde um universo à parte, muitas vezes mais envolvente que o nosso.

É estranho perceber que pensamentos tomaram corpo, que foram materializados por uma seqüência de códigos - letra por letra, formando nomes, frases, parágrafos e capítulos. Códigos indecifráveis para muitos, analfabetos de alma ou de escolaridade. Como bem traduziu Caetano, “Os livros são objetos transcendentes, mas podemos amá-los do amor táctil que votamos aos maços de cigarro”.

Em uma estante pode estar adormecido, sob uma fina camada de poeira, um mundo de histórias, fantásticas, trágicas, engraçadas ou simplesmente semelhantes às nossas vidas. Após um toque, um folhear de páginas, despertam seus personagens e suas existências se reiniciam.

E enxergando estes mundos, podemos ver com mais nitidez a nós mesmos e aos outros. Pois, como disse Fernando Pessoa, "quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma".

Também me impressiona que, em curtas estrofes, poetas possam traduzir um profundo estado de espírito ou toda uma percepção de mundo. A poesia é, ao mesmo tempo, um portal e um alimento para aquilo que chamamos de alma. Então vale o alerta da poeta Natália Correia aos fracos de espírito, “ó sub-alimentados do sonho, a poesia é para comer”.

Outra situação mágica é quando, na sala do cinema, olho para o alto e vejo um feixe de luz cortar o ambiente. Aquela luz, penso, será minha condução a uma outra realidade; a atmosfera escura facilita a viagem. Quando surgem os créditos finais na tela, tomo consciência que devo retornar.Em 15 minutos estou de volta, mas algumas vezes não sou mais o mesmo.

E o que dizer da música, considerada a linguagem universal, que ultrapassa fronteiras e se faz entender pela emoção. Penso em Cartola, pedreiro semi-analfabeto que revelava extremo refinamento como letrista; e em Dorival Caymmi, mulato de traços fortes e voz de um tom grave incomum, mas um compositor sensível e comovente como o próprio mar. Em Cartola e Caymmi, a música – e somente a música - é que os revela.

A música é o canal de acesso mais rápido à alma. “Ela me libera de mim mesmo, ela me separa de mim mesmo”, como já disse Nietzsche. Para mim, e para ele, a música está ligada à própria existência. “A vida sem a música é simplesmente um erro, uma tarefa cansativa, um exílio”, dizemos nós.

A arte é, sem dúvida, transcendental; e os artistas espécie de semideuses - alguns dignos de culto.

Parafraseando Pessoa – novamente ele, “não sei ser prático, cotidiano, nítido”. Assim, quando fujo para o mundo do imaterial, é que me encontro.

Publicado em: www.jornaldotocantins.com.br e www.overmundo.com.br
Março/2007

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