quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Felicidade quando?



Por diversas vezes ao longo dos anos, ouvi curioso um certo comentário: “Há que existir vida após a morte. Não teria sentido ser apenas esta existência!”.

A princípio, pode parecer que nos julgamos importantes demais. Afinal seria muito pouco viver uns cerca de 60 anos, sabe-se lá, e depois simplesmente deixar de existir, sem legados para a humanidade ou marcas na história.

Mas entendo esse comentário como resultado de vidas guiadas sob a perspectiva de uma felicidade futura. Muitos condicionam o bem-estar à compra de um veículo, de um imóvel ou à ascensão profissional. Dedicam o dia-a-dia a atingir esses objetivos, com muito trabalho e planejamento. Olham sempre para frente, mas sem contemplar o pôr-do-sol no horizonte. Não sobra tempo para quase nada, muito menos para ser feliz agora.

Enfim, chega o dia em que estão motorizados, com casa própria ou promovidos no emprego. De tanto planejar, porém, há muito já sentem a necessidade de ir além. Na caminhada, constituíram novos sonhos. Foi bom ter conseguido isto, mas agora querem mais. Afinal, como diria Raul Seixas, “eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar e não posso ficar aí parado”.
É correr atrás. Temos de ser práticos e caminhar com firmeza, mesmo que nos percalços precisemos chutar alguns calcanhares ou aplicar rasteiras. Assim, alcançaremos a felicidade. Se não for nos próximos anos, será após a “passagem”, em shangri-lá, no céu, no paraíso... Esse é o alento dado por qualquer das religiões.

A ciência diz que temos ciclos de vida que justificam nossa existência: nascer, crescer, reproduzir e, por fim, morrer.Não precisamos ser marcantes em nossa existência, mas apenas contribuir para a perpetuação da espécie. Contudo, ninguém se contenta com esse encargo meramente biológico.

Por isso, alguém de inspiração poética estabeleceu missões mais nobres para cumprirmos: escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho. Seria uma vida plena, assinalada pelo aprendizado e pela garantia de um presente e um futuro sustentável.

O questionamento do sentido da vida é inerente ao ser humano e encontra eco sobretudo nas artes. Na música brasileira, acho quem melhor retratou essa inquietação foi Gonzaguinha. “Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo. É uma gota, é um tempo que nem dá um segundo... Há quem fale que é um divino mistério profundo. É o sopro do criador, numa atitude repleta de amor”, diz, na canção O que é o que é. Mais à frente, ele sentencia: “Somos nós que fazemos a vida, como der ou puder ou quiser”. Uma verdade genérica, porém, a princípio, inquestionável.

Mas, amadurecendo aos poucos, tenho procurado me guiar pela sabedoria caipira de Almir Sater. Hoje, eu também “penso que cumprir a vida seja simplesmente compreender a marcha, e ir tocando em frente”, guiando grandes e pequenos projetos, mas também sonhando, aprendendo a contemplar um céu estrelado, uma chuva fina, se emocionando com um bom filme ou desfrutando da presença daqueles que amamos. Tudo sem o manto de grandes mistérios sobrenaturais.

E acho que apenas essa existência sobre a terra é suficiente sim, basta que sejamos dignos dela. Se vivermos 60 anos, serão mais de 21 mil dias – um segundo em relação à eternidade, mas um período suficiente para desfrutarmos sem avareza das boas sensações, sem precisar empurrar os sonhos para uma suposta vida pós-morte.

Para apreciar a vida, falta entender que tudo é passageiro. Incluindo a tão sonhada felicidade – que “é como a pluma que o vento vai levando pelo ar. Voa tão leve, mas
tem a vida breve. Precisa que haja vento sem parar”. Boas ou más sensações, tudo finda e depois se renova. Nada, como nós mesmos, é eterno.

Publicado em: www.ogirassol.com.br
Dezembro/2006

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