segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Carta aberta aos gramáticos



Senhores gramáticos,

Não é querendo desmerecer a honrada profissão dos senhores, mas, por favor, não maltratem mais a nossa língua pátria. Chega de disseca-la, de esquarteja-la para que suas vísceras sejam expostas nas salas de aula ainda respingando sangue.

Chega de gestos brutos! Não conseguem ver que, como os estudiosos em anatomia, vocês retalham o que é belo para chegar ao desagradável, ao que não importa, àquilo que nunca deveria ser visto ou tocado?

Os mistérios da língua devem ser desvendados na sua superfície, a princípio na forma de olhares atentos, depois nos toques e na percepção dos cheiros exalados. Não nas suas tripas ou intestinos.

Pra que querer saber das orações, sujeitos, predicados e objetos? Pra que tantos por quês? Há intimidades que não devem ser questionadas, mas sim compreendidas nas palavras que não são ditas. E tais coisas, para serem perguntadas, se de fato houver necessidade, devem ser tratadas à meia voz, em breves sussurros, e num ambiente adequado – de preferência à meia luz. Jamais podem ser arrancadas brutal e publicamente, postas em livros ou reveladas sob o tom imperioso daqueles que se colocam diante do quadro-negro!

E pra que tratar a língua portuguesa com uma formalidade esdrúxula que beira a rispidez? Nada de “far-se-á”, “tê-la-ei” ou “contar-te-ei”. Não mais! Nossos verbos devem tocar sua orelha com a mesma maciez que os lençóis de seda no momento mais sublime.

Deixais que “beleza” seja apenas a qualidade do que é belo, e que “prazeroso” seja apenas aquilo que nos satisfaz. Pra que rotular se são adjetivo, substantivo ou qualquer outra classe? São o que são, e isso basta. Deixai-os livres para apenas ser.

Senhores gramáticos, aceitem um conselho de quem só quer ajudar: tomem lições com os poetas. Estes sim sabem como tratar a língua portuguesa. Tiram-na para dançar, oferecem flores e – o que é mais importante – tem um olhar sensível que os faz enxergar nela até os traços de beleza menos aparentes. Eles sim apreciam as formas que a língua portuguesa tem, sabem despi-la e desfruta-la.

Atenciosamente,

Flávio Herculano
Jornalista